Chego
do trabalho cansado com aquela dor na perna. Esta dor me persegue já
faz algum tempo, não creio ser nada demais, apesar do forte incomodo, pois nenhum médico diagnosticou o problema. Deito no sofá, bebo uma long
neck gelada como se fosse um analgésico. Mas ela não cumpre bem seu
papel, então, eu tento só fechar os olhos e apagar.
É
quando tudo se movimenta. Enquanto a cortina range em parte com o
chão e em outra com a janela, a lua brilha mais ardente e calorosa
do que o sol. Esta claridade reluz por toda a sala numa espécie de
câmara especial, que é favorecida pela falta de moveis que não
ocupam a minha sala, de forma que ilumina a minha imaginação.
Entro
em uma espécie de transe. Não sei se já dormi, nem se estou
embriagado ou até mesmo destrambelhado. O que sei é que não quero
sair deste nirvana onde eu entrei. Meu inconsciente tenta vigorar
,enquanto meu ego procura o controlar, de modo que não paro de
vislumbrar loucuras em cada esquina da minha mente , antes, sempre
vazia.
Primeiramente,
penso em uma corrente amarrada em meu pé e mão prendendo-me rente
ao chão. Estou em um lugar obscuro e negro, já não posso mais
conter meu medo. Sinto um arrepio em minha nuca em intervalos
irregulares, parecendo que há um animal feroz por trás de minha
cabeça, embora, aparente fazer parte dela,tendo em vista que somente, em alguns
momentos, ele se liberta e , logo, me dá calafrios. E o silencio?! O
silencio me é peculiar, quase sempre não consigo escutar o som do
silencio no meu dia-a-dia; isto me sucinta algo do tipo... alegria? É
como se fosse magia, ou até mesmo bruxaria, porém o que me
surpreende é o quão estou contente. Não de estar nesse lugar, mas
porque nele posso pensar e sentir, sentir e pensar. Conscientizo-me. BUM! Descubro,
portanto, meu inconsciente amarrado e impotente, mas sempre
persistente.
( Não sinto minha perna doer).
Eis
o grande momento, liberto meu pensamento das correntes; enquanto meu
ego para pra descansar, o cavalo inconsciente dispara sem parar.
Vejo-me com meu tirânico chefe e irmão em um enterro; olho para o
falecido, ele me lembra um grande amigo, fico entristecido, então ,
abraço ternamente o meu chefe-irmão; logo após isto, vamos para a
prece. A comoção é geral, todos chorão com pesar. A voz gélida do padre ecoa pelo recinto ressonando entre as pessoas como se estivessem a beira do abismo,como se o mar ao chocar-se com as pedras, impusesse nossa presença dentro dele. Aflitivo. Concentro-me; observo durante
a prece como aquele amigo assemelhava-se ao meu chefe-irmão. É então que percebo a distorção. BUM!
Descubro , portanto, meu ego acordado, censurando o que não deveria
ser censurado, talvez, só controlado.
( Não sinto minha perna
doer).
Saio
do cemitério, e me encontro num belo jardim, ensolarado, cercado de
mulheres bonitas e que ... flertam comigo! A minha esquerda, uma
ruiva, com o charme de uma sexy simbol que toda ruiva tem. A minha
direita, uma morena, com sua sensualidade e belas curvas. A minha
frente, vejo uma loira, de forma encantadora; ela sorri com o sorriso
mais lindo que já vi. Porém, sinto algo estranho. Decido olhar para
o sul. Percebo que lá está minha ex-mulher, a mulher de minha vida,
que me trocou pelo “cara da contabilidade”, e , como se não
bastasse, ela está com ele. Olho mais de perto, reparo que eles
estão brigando, ela está triste e corre para os meus braços;
envolvo-a em mim; sinto seu cheiro; respiro seu sorriso; relembro-me
de seu beijo; prometo dar-lhe o mundo e corrigir meus erros. Entretanto, começo a
criticar. Percebo no olhar dela uma lasca de ressentimento e
vingança, dispenso minha esperança; deduzo que serei usado, jamais
poderia ter seu amor, pois sou extremamente inferior, um pobre
inspetor destituído de pudor, que vive escondido cercado de pavor.Racionalizo.BUM! Descubro, portanto, meu superego criticando o meu ego, enquanto
eu me desespero.
(Ainda Não sinto minha perna doer)
Meu
despertador toca. Sinto uma sensação de dor no peito que desce para
o estomago, além do mais, minha perna doi como nunca, quase não
consigo levantar. Levanto e derrubo algumas long necks espalhadas
pelo chão. Não consigo me lembrar de nada da noite anterior, no
entanto, sinto uma náusea misturada com um aperto no peito
inexplicável. Penso se poderia ter sido algum problema ou
preocupação,talvez,algum aviso. Dou um sorriso...decido que é só a bebida fazendo efeito por dentro do meu peito. Queria poder saber o que
se passa em uma mente em meio a torrente de pensamento que dizem
ocorrer durante o sono.
Vejo o amanhecer do dia, ponho-me em partida, para mais
uma jornada sem saída, com esta perna encardida como se ela sofresse
uma mordida em cada segundo de minha vida.