terça-feira, 14 de junho de 2011

O mercador de Veneza

SHAKESPEARE Willian. O mercador de Veneza. Rio de Janeiro. Ediouro, 2005. 
Esta é uma peça que aborda conflitos intrínsecos ao ser humano: amor, religião, dinheiro e vingança, tudo isso atrelado a um ponto de discussão levado à justiça e submetido à decisão de um magistrado. 

Willian Shakespeare retrata na peça O mercador de Veneza a história do jovem Bassânio, que para impressionar sua amada, Pórcia, linda e rica herdeira que em sua cidade, Belmonte, vive a receber muitos pretendentes de fama sublimada, precisa de dinheiro, e o pede emprestado a seu amigo Antônio, um próspero mercador cristão, que empresta a todos sem lamentar suas perdas. Antônio, no entanto, não dispondo na ocasião de nada com que pudesse levantar qualquer soma, pois tudo quanto possuía estava no mar, pede a quantia ao agiota judeu Shylock, oferecendo uma libra de sua carne a ser retirada de qualquer parte de seu corpo caso o pagamento do empréstimo não ocorresse no prazo estabelecido. Ocorre que, com o naufrágio de seus navios, Antônio perde carga preciosa, com a qual pagaria Shylock no prazo. Este por sua vez, comemorando a perda de Antônio decide fazer cumprir o acordo e retirar a libra de carne do coração de Antônio.  

No emaranhado de situações que a obra apresenta, a filha do judeu, a adorável Jéssica, foge com Lourenço ,que era  cristão, seu apaixonado. Já Bassânio, alcança seu intento e casa-se com Pórcia. E Nerissa, sua dama de companhia, apaixona-se por Graciano, amigo de Bassânio. Com o vencimento da Letra, e o caso de Antônio levado a Justiça, Bassânio e Graciano, que se encontravam em Belmonte, voltam a Veneza para ajudar Antônio, oferecendo ao judeu o dobro e até mesmo o triplo do valor da dívida para que este esquecesse a vingança. Shylock, porém, não aceita a proposta e insiste que se cumpra a contrato,já que estava possuído de ranco e amargura de ter perdido sua filha e dos enormes preconceitos antissemitas que sofrera em sua vida .Pórcia e Nerissa,então,preocupadas com seus amados, fantasiam-se de juiz e  mensageiro acompanhante , vão até o julgamento de Antônio alegando terem sido enviadas pela conhecido e renomado juiz de Veneza para ocuparem seu lugar, uma vez que o nobre jurista estava acamado e que o Tribunal não queria invalidar um contrato evitando ,assim, a criação de um péssimo precedente legal, para isto aceita-se a participação do desconhecido juiz.A partir de então ,Pórcia, muito astuta, propõe que Shylock cumpra de fato o contrato,mas diz que no mesmo não consta que ele poderia tirar nem uma gota de sangue do corpo de Antônio,tendo em vista que não estava previamente acordado.Logo,o judeu, se vê sem um modo de realiza-lo e tenta desistir da sentença e aceitar o dinheiro.No entanto, o jovem e misterioso juiz afirma que Shylock deveria perder toda a sua fortuna e ter sua vida a mercê do Doge que era o ''presidente'' do Tribunal e de Antônio por tentativa de assassinato contra a vida de um cristão. Este ultimo ,por sua vez, demonstra uma suposta clemência e permite que o agiota mantenha metade de sua fortuna e que ficasse vivo, a não ser que se convertesse a religião cristã e deixasse em testamento suas propriedades para  sua filha e o marido.Este seu desejo é aceito e cumprido matando por dentro o judeu que tanto estimava os valores de sua religião.
No final da peça ,ainda  conta com mais esperteza da bela amada de Bassânio , que estando em forma de juiz pede ao mesmo sua aliança como forma de agradecimento por ter salvado Antônio; ele cede e  dá o anel.Mais tarde, vê-se confrontado com sua amada sem o símbolo de seu laço de amor e teme perde-la; quando,então,ela desfaz toda sua trama e pede para que Antônio solicite a Bassânio que jamais retire o anel de novo ,revelando o quão sagrada era a relação fraternal dos dois ,talvez mais respeitado do que a  relação de Bassânio  para com ela.

O enredo da estória se torna atemporal quando analisado do prisma das contrariedades e rivalidades religiosas, mostra a formação dos ''guetos'' ,os bairros designados aos homens maus, os judeus,e também como os mesmo eram amplamente excluídos e marginalizados.Além disso,há a  preocupação do autor com o tema que se materializa na fala Shylock quando revoltado da fuga de sua filha e grita ao amigos de Antônio perguntando se não sentiam o mesmo frio e calor,se não comiam da mesma comida,se não respiravam do mesmo ar?Logo como poderiam ser tão diferentes?Apesar disso como toda obra literária também pode pender para o lado'' antissemita'' do autor, uma vez que no final da estória ocorre a vitória do cristão contra o judeu ,revelando indiretamente o papel que a história mostraria da Igreja Católica como forte dominadora cultural.

Outro ponto interessante ,a relação comercial de empréstimos que geram dois lados :o credor e o devedor. No lado Oriental da civilização humana, tal relação tinha características bem peculiares, por exemplo ,na China o credor com o não pagamento de seu empréstimo ameaçava e eventualmente se suicidava proclamando que assim iria perseguir o devedor depois de sua morte, já na Índia o credor se dirigia a casa do devedor e se colocava a frente dela  e lá permanecia até morrer de fome ou estando lá se enforcava para que instigasse a família do devedor a se vingar em nome do credor.No lado Ocidental, a forma comum era a garantia do corpo físico do devedor ao invés de seus bens materias e como era no Direito Romano, nas leis das Doze Tábuas, em que se o devedor devesse para um grupo de pessoas ele seria cortado em pedaços e dado a cada um de seus credores como forma de compesação. Daí,o filme aborda a curiosa felicidade humana no sofrimento e como Nietzche em seu livro ''A Genealogia da Moral''  afirma que o altruísmo humano nos deixa feliz porque é um modo que temos para nos fazer sofrer a nós mesmo, a suposta clemência de Antônio dobra essa forma de felicidade fazendo com que Shylock perdesse seu maior valor cultural e de alguma forma sendo  altruísta ao permitir que mantivesse sua vida e metade de sua fortuna.Assim,alcança a felicidade ao ver Shylock sofrer e praticar o altruísmo. Portanto,temos uma pequena analise do modo de cobrança e do envolvimento do direito na economia antes do desenvolvimento das normas jurídicas, aparatos coativos do Estado e do convívio humano. 

Ainda no ponto de vista jurídico, temos uma característica antiga em que juízes eram intitulados para decidir os casos em que o significado pretendido em um acordo fosse discutível ou constituísse uma inovação instável, mostrando como em alguns fatos da cultura Ocidental o juiz desempenhou um importante papel de ''legislador indireto'' e denota como pode perigosa ou harmoniosa  essa atitude, pois de um lado o  juiz tinha o poder de inverter a situação a favor de particulares seus ou de terceiros desrespeitando o direito (por mais cruel que fosse) do agiota cumprir sua sentença, porém harmoniosa também porque historicamente o papel do juiz era julgar em prol da paz, ordem utilizando da ética ,sabedoria e moral, assim poderia construir uma norma legitima  e coerente com a vida dando uma interessante ambiguidade ao papel do antigo juiz. 

3 comentários:

  1. Se de férias você ta assim, imagino quando a faculdade começar.
    Ótimo texto, com interpretação aprofundada e inteligente.
    Parabéns :)

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  2. Ah valeu marinet,é o ócio que faz isso rsrs
    =]

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